O policial na alfândega não conseguiu esconder o sorriso ao abrir o passaporte brasileiro. Nesse país longínquo e desconhecido que é a Birmânia – hoje chamado Mianmar – turistas são raros, ainda mais vindos do Brasil.
A reação foi a mesma a cada vez que me perguntavam de onde vinha. « Nunca vi um(a) brasileiro(a) antes », afirmou o motorista, com um olho na estrada e outro no retrovisor, me analisando. Loucos por futebol, meu passaporte verdinho era indício de bom auguro, para futuras apostas em jogadores e times brasileiros, que eles acompanham acocorados ao redor de televisores coletivos, mascando uma fruta local misturada a tabaco.
Colônia britânica até 1947, o país é hoje governando por uma toda-poderosa junta militar, liderada pelo General Than Shwe. Aung San Suu Kyi – filha de Aung Sun, herói da independência contra os ingleses – e líder da oposição, se encontra em prisão domiciliar desde 1988.
Raro é o cidadão que ouse falar contra o regime. Trabalho forçado, mortes e prisões são comuns por insurreição. Em 1988, ou seja, um ano antes do massacre da Praça da Paz Celestial de Pequim, os militares utilisaram os mesmos métodos contra os universitários que pediam o fim do regime. Fontes dizem que mais de 3000 morreram ou foram enterrados vivos. Desde então, Aung San Suu Kyi pede às nações ricas que boicotem o país.
Mianmar é rico em petróleo, pedras preciosas, madeiras nobres, além de uma cultura milenar. Até Marco Polo teria passado pela Birmânia à caminho da China, e encantado com sua riqueza, ajudado os mongóis de Kublai Khan a invadir o país. Essa riqueza, no entanto é controlada pelos militares e o país se encontra hoje como se o tempo tivesse parado há 100 anos.
Yangon, ou Rangum, a capital até 2003 quando os militares mudaram para Nay Pyi Taw, tem quatro milhões de habitantes. Entretanto, energia elétrica é inconsistente, veículos são poucos e não há grandes edifícios. Uma das únicas escadas rolantes da cidade leva à Pagoda de Schwedagon, do século XI e é atração turística para os locais. No resto do país, bicicletas, carro de boi e fogões à lenha ainda são comuns. Crianças na rua pedem canetas e xampú quando vêem estrangeiros – comodidades caras e raras. O boicote anglo-americano levou também à suspensão de todas as transações de cartão de crédito no país. Desde então, tudo é pago em espécie – de preferência em dólares.
A estrutura para o turismo, no entanto, é bem desenvolvida, com ótimos hotéis, vôos organizados e pontuais, e guias que falam várias línguas. O país é seguro, roubos são raríssimos. Atrações são várias, como Pagan e seus milhares de templos e pagodas datando do século XI. O lago Inlê e a vida tradicional, com casas suspensas e plantações flutuantes, Mandalay e Yangon e seus templos. Ngapali e o azul do seu mar.
O que mais impressiona o viajante, contudo, é o povo. Não sabem o que é uma sociedade de consumo, então mantém seus valores e tradições. São acolhedores e simpáticos. Tem uma diversidade étnica invejável, devido à influência chinesa, indiana, tailandesa e também do Bangladesh e Laos. Budistas, tem uma filosofia de vida de paz e trabalho, que exercem constantemente. Mesmo na praia, os únicos a aproveitar do sol são os turistas. Herdaram um bom sistema de educação inglês, que freqüentam com assiduidade, vestidos em uniformes verdes com o tradicional longyi (ou sarongue).
O sorriso do guarda no aeroporto era genuíno. Me pareceu um povo feliz, apesar da repressão da junta militar e do temor de uma guerra civil que pode acontecer em qualquer momento caso as diferentes etnias percam realmente a paciência. Espero que nunca aconteça.