Friday, June 02, 2006

Ogros e Origamis


A imagem do cobrador do trem que, ao entrar e sair do vagão, reclina o tronco em um ângulo de 45o graus em uma saudação típica japonesa, foi uma das mais marcantes da minha viagem àquele país no ano passado. Essa imagem é da personificação do respeito por outrem, desenvolvida durante séculos de convívio amontoados em uma pequena ilha. No Japão, os códigos de conduta são inflexíveis, a ponto de podar a liberdade do indivíduo para o bem da sociedade.

A China e seu bilhão de pessoas, desenvolveram um sistema contrário. A convivência de grande número de pessoas apertadas em pequenos espaços, transformou o chinês em algo exatamente contrário à delicadeza japonesa.

Chateada com a notícia da morte de um amigo e incomodada pelo calor húmido e poluído de Pequim, visitei a Cidade Proibida sem prestar atenção nos detalhes arquitetônicos. Ao invés disso, focalizei nas hordas de turistas chineses guiados por megafones esgoelantes que invadiram o palácio imperial naquele dia.

Facilmente identificáveis por seus bonés idênticos (sempre vermelhos ou amarelos) os grupos avançavam como cidade fosse desabar aquela noite (o que é, em parte, verdade, já que o governo está pondo abaixo e “restaurando” partes da Cidade Proibida para as Olimpíadas). Disputei a cotovelos meu lugar para ver as salas do trono; evitei cuspes e tossidas e prendi a respiração várias vezes, até que desisti e fui sentar-me debaixo de uma árvore, onde pude observar a manada de longe.

Assim entendi que o Japão, para possibilitar a convivência de tantas pessoas em espaço restrito, codificou a conduta social ao extremo. A China, ao contrário, retirou todo o bom senso dos seus cidadãos. Ninguém se incomoda, porque não aprenderam a serem incomodados.

Chegando a essa conclusão, me senti em paz com a minha curiosidade e passei a observar um senhor franzino e franzido que lentamente caminhava na minha direção. Tão dobrado que só conseguia olhar para o sapato gasto. Se preparou para sentar do meu lado, mas antes disso, me olhou nos olhos, cuspiu e arrotou orgulhoso o almoço do dia. Como um ogro de origami.

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