Da janela do meu novo apartamento vejo aspectos da vida de Hong Kong que não percebia quando morava no centro. A vista aberta para o mar deixa ver não somente os pequenos Optimist do clube de vela de Stanley, mas também uma via marítima que é literalmente uma highway de cargueiros que levam produtos da China para o resto do mundo. A quantidade de navios e mercadorias é impressionante. Levantando os olhos do computador e vejo quatro mastodontes carregados no horizonte. Daqui também posso observar todas as manhãs o ritual dos velhinhos que vêm religiosamente praticar tai chi de frente para o mar. Assistir seus movimentos lentos e coordenados é meu programa favorito tomando o meu café da manhã (no chão, porque ainda não temos móveis). Saem os velhinhos e entram os pedreiros que estão restaurando a orla do vilarejo. Com seus capacetes de plástico e uniformes, imitam descoordenadamente os polichinelos e alongamentos do mestre-de-obras. Por último chega o um velhinho retardatário, por volta das nove e meia. Barrigudo e com jeito de pescador, com flexibilidade limitada devido à sua circunferência, contenta-se em mexer os braços de um lado para outro durante uma meia hora.
A partir daí o dia começa, o mercado abre, chegam os turistas pechincheiros e as noivas que posam para os fotógrafos de frente ao mar. Às vezes chega também um ou outro fiel para rezar em um templo pequenino instalado no alto de uma escadaria, também de frente para o mar. Hong Kong, que não sofreu a ditadura atéia comunista, guarda ainda muito de sua fé religiosa. Templos, altares e imagens estão por todas as partes, na frente de lojas, no pé de escadas, na entrada dos prédios. Tin Hau, a deusa dos mares e protetora dos pescadores é a mais requisitada. Os templos são muito diferentes do típico budista que encotramos no resto da China: têm insensos em forma de espirais pendurados no teto e as imagens lembram santos do candomblé, são normalmente vermelhas, de barbas e bigodes longos e de olhar penetrante.
O lado sul da ilha, apesar de ficar a trinta minutos do centro de Hong Kong, parece ser um mundo diferente. Stanley começou com oito pequenas casinhas de pescadores de frente para o mar e ainda é uma cidadezinha pequena e charmosa onde enfim temos a impressão de morar em uma ilha e não em uma selva de concreto. Como diria um nativo da região, o Sr. Magic Miracle, transportador e curandeiro (cito seu cartão de visitas) que também foi meu guia turístico improvisado: Why suffer?
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