Sunday, June 18, 2006

Tô na praia


32 graus, 95% de umidade.
Não há cérebro que agüente.
Fui pra praia e só volto no inverno.

Wednesday, June 14, 2006

Nike de papel


Parei em frente a um quiosque de artigos de papel. A chuva caindo ruidosamente, fazia a cena parecer remake do filme Blade Runner. Pensando em minha avó falecida recentemente, quis comprar algum item de papel para queimar no templo em frente de casa. Esses artigos, acreditam os mais velhos, quando queimados no fogo, levam aos mortos o desejos dos vivos. Às vezes, são apenas lembranças, como quando levamos flores ao cemitério. Antigamente esses artigos tinham um ar poético, eram barquinhos para uma travessia tranquila; ou sapatinhos para a árdua jornada.

Hoje em dia, as representações de glamour e dinheiro vêm substituindo os artigos tradicionais. Mas não imaginava tanto. Entre artigos que não pude identificar, encontrei um que não pude crer: um Nike de papel. Tão bem feito que tive que tocar para ver se não era de verdade. Twenty-two dollaaaars, gritou o velhinho em chin-glês, ou seja, uns seis reais. Um fortuna, pensei, mas deve ser preço para turista.

Deveria ter comprado um para o Ronaldinho Gordo que, com o dele de verdade, não jogou nada ontem.

Thursday, June 08, 2006

Stanley


Da janela do meu novo apartamento vejo aspectos da vida de Hong Kong que não percebia quando morava no centro. A vista aberta para o mar deixa ver não somente os pequenos Optimist do clube de vela de Stanley, mas também uma via marítima que é literalmente uma highway de cargueiros que levam produtos da China para o resto do mundo. A quantidade de navios e mercadorias é impressionante. Levantando os olhos do computador e vejo quatro mastodontes carregados no horizonte.

Daqui também posso observar todas as manhãs o ritual dos velhinhos que vêm religiosamente praticar tai chi de frente para o mar. Assistir seus movimentos lentos e coordenados é meu programa favorito tomando o meu café da manhã (no chão, porque ainda não temos móveis). Saem os velhinhos e entram os pedreiros que estão restaurando a orla do vilarejo. Com seus capacetes de plástico e uniformes, imitam descoordenadamente os polichinelos e alongamentos do mestre-de-obras. Por último chega o um velhinho retardatário, por volta das nove e meia. Barrigudo e com jeito de pescador, com flexibilidade limitada devido à sua circunferência, contenta-se em mexer os braços de um lado para outro durante uma meia hora.

A partir daí o dia começa, o mercado abre, chegam os turistas pechincheiros e as noivas que posam para os fotógrafos de frente ao mar. Às vezes chega também um ou outro fiel para rezar em um templo pequenino instalado no alto de uma escadaria, também de frente para o mar. Hong Kong, que não sofreu a ditadura atéia comunista, guarda ainda muito de sua fé religiosa. Templos, altares e imagens estão por todas as partes, na frente de lojas, no pé de escadas, na entrada dos prédios. Tin Hau, a deusa dos mares e protetora dos pescadores é a mais requisitada. Os templos são muito diferentes do típico budista que encotramos no resto da China: têm insensos em forma de espirais pendurados no teto e as imagens lembram santos do candomblé, são normalmente vermelhas, de barbas e bigodes longos e de olhar penetrante.

O lado sul da ilha, apesar de ficar a trinta minutos do centro de Hong Kong, parece ser um mundo diferente. Stanley começou com oito pequenas casinhas de pescadores de frente para o mar e ainda é uma cidadezinha pequena e charmosa onde enfim temos a impressão de morar em uma ilha e não em uma selva de concreto. Como diria um nativo da região, o Sr. Magic Miracle, transportador e curandeiro (cito seu cartão de visitas) que também foi meu guia turístico improvisado: Why suffer?

Friday, June 02, 2006

Acrobatas

Uma das melhores experiências que se pode ter em Pequim, é ir ver um show de acrobacias. Melhor ainda é ver a China Acrobat Troupe. É tanto um espetáculo artístico quanto antropológico.

Tudo começa na reserva dos ingressos. Liga-se para o número de telefone anunciado no jornal, que na verdade é um celular. O camarada atende, mas está no meio do trânsito e não pode falar, favor ligar novamente. Repetidas vezes. Impossível reservar por telefone, então tenta-se a sorte. Ao sair do hotel, pede-se para o porteiro do hotel explicar ao táxi aonde ir. Vendo a oportunidade de uma comissão, o porteiro diz que vai ligar para reservar. Volta sorridente pedindo para falar com o Sr. Wu quando chegar. O táxi cobra a mais. Apressados e sem vontade de reclamar por 2 reais extras, paga-se. O senhor Wu recepciona na porta do táxi, passa longe da bilheteria e entrega os “ingressos” (que são na verdade flyers distribuídos na rua). Senta-se nas poltronas vermelhas, observa-se a cafonisse da decoração e o show começa. Entre uma pirueta e outra (aliás, incríveis) pergunta-se que diabos acabou de acontecer. O preço, no final, saiu o mesmo. O show, foi excelente, mas o dinheiro foi parar nas mãos dos acrobatas fiscais.

Ogros e Origamis


A imagem do cobrador do trem que, ao entrar e sair do vagão, reclina o tronco em um ângulo de 45o graus em uma saudação típica japonesa, foi uma das mais marcantes da minha viagem àquele país no ano passado. Essa imagem é da personificação do respeito por outrem, desenvolvida durante séculos de convívio amontoados em uma pequena ilha. No Japão, os códigos de conduta são inflexíveis, a ponto de podar a liberdade do indivíduo para o bem da sociedade.

A China e seu bilhão de pessoas, desenvolveram um sistema contrário. A convivência de grande número de pessoas apertadas em pequenos espaços, transformou o chinês em algo exatamente contrário à delicadeza japonesa.

Chateada com a notícia da morte de um amigo e incomodada pelo calor húmido e poluído de Pequim, visitei a Cidade Proibida sem prestar atenção nos detalhes arquitetônicos. Ao invés disso, focalizei nas hordas de turistas chineses guiados por megafones esgoelantes que invadiram o palácio imperial naquele dia.

Facilmente identificáveis por seus bonés idênticos (sempre vermelhos ou amarelos) os grupos avançavam como cidade fosse desabar aquela noite (o que é, em parte, verdade, já que o governo está pondo abaixo e “restaurando” partes da Cidade Proibida para as Olimpíadas). Disputei a cotovelos meu lugar para ver as salas do trono; evitei cuspes e tossidas e prendi a respiração várias vezes, até que desisti e fui sentar-me debaixo de uma árvore, onde pude observar a manada de longe.

Assim entendi que o Japão, para possibilitar a convivência de tantas pessoas em espaço restrito, codificou a conduta social ao extremo. A China, ao contrário, retirou todo o bom senso dos seus cidadãos. Ninguém se incomoda, porque não aprenderam a serem incomodados.

Chegando a essa conclusão, me senti em paz com a minha curiosidade e passei a observar um senhor franzino e franzido que lentamente caminhava na minha direção. Tão dobrado que só conseguia olhar para o sapato gasto. Se preparou para sentar do meu lado, mas antes disso, me olhou nos olhos, cuspiu e arrotou orgulhoso o almoço do dia. Como um ogro de origami.