
32 graus, 95% de umidade.
Não há cérebro que agüente.
Fui pra praia e só volto no inverno.
Comeceio o blog para falar de uma visão diferente (e divertida) da China, e agora continuo da Suíça. Como Asterix chez les Helvètes.
Parei em frente a um quiosque de artigos de papel. A chuva caindo ruidosamente, fazia a cena parecer remake do filme Blade Runner. Pensando em minha avó falecida recentemente, quis comprar algum item de papel para queimar no templo em frente de casa. Esses artigos, acreditam os mais velhos, quando queimados no fogo, levam aos mortos o desejos dos vivos. Às vezes, são apenas lembranças, como quando levamos flores ao cemitério. Antigamente esses artigos tinham um ar poético, eram barquinhos para uma travessia tranquila; ou sapatinhos para a árdua jornada.
Hoje em dia, as representações de glamour e dinheiro vêm substituindo os artigos tradicionais. Mas não imaginava tanto. Entre artigos que não pude identificar, encontrei um que não pude crer: um Nike de papel. Tão bem feito que tive que tocar para ver se não era de verdade. Twenty-two dollaaaars, gritou o velhinho em chin-glês, ou seja, uns seis reais. Um fortuna, pensei, mas deve ser preço para turista.
Deveria ter comprado um para o Ronaldinho Gordo que, com o dele de verdade, não jogou nada ontem.
Daqui também posso observar todas as manhãs o ritual dos velhinhos que vêm religiosamente praticar tai chi de frente para o mar. Assistir seus movimentos lentos e coordenados é meu programa favorito tomando o meu café da manhã (no chão, porque ainda não temos móveis). Saem os velhinhos e entram os pedreiros que estão restaurando a orla do vilarejo. Com seus capacetes de plástico e uniformes, imitam descoordenadamente os polichinelos e alongamentos do mestre-de-obras. Por último chega o um velhinho retardatário, por volta das nove e meia. Barrigudo e com jeito de pescador, com flexibilidade limitada devido à sua circunferência, contenta-se em mexer os braços de um lado para outro durante uma meia hora.
Tudo começa na reserva dos ingressos. Liga-se para o número de telefone anunciado no jornal, que na verdade é um celular. O camarada atende, mas está no meio do trânsito e não pode falar, favor ligar novamente. Repetidas vezes. Impossível reservar por telefone, então tenta-se a sorte. Ao sair do hotel, pede-se para o porteiro do hotel explicar ao táxi aonde ir. Vendo a oportunidade de uma comissão, o porteiro diz que vai ligar para reservar. Volta sorridente pedindo para falar com o Sr. Wu quando chegar. O táxi cobra a mais. Apressados e sem vontade de reclamar por 2 reais extras, paga-se. O senhor Wu recepciona na porta do táxi, passa longe da bilheteria e entrega os “ingressos” (que são na verdade flyers distribuídos na rua). Senta-se nas poltronas vermelhas, observa-se a cafonisse da decoração e o show começa. Entre uma pirueta e outra (aliás, incríveis) pergunta-se que diabos acabou de acontecer. O preço, no final, saiu o mesmo. O show, foi excelente, mas o dinheiro foi parar nas mãos dos acrobatas fiscais.
A China e seu bilhão de pessoas, desenvolveram um sistema contrário. A convivência de grande número de pessoas apertadas em pequenos espaços, transformou o chinês em algo exatamente contrário à delicadeza japonesa.
Chateada com a notícia da morte de um amigo e incomodada pelo calor húmido e poluído de Pequim, visitei a Cidade Proibida sem prestar atenção nos detalhes arquitetônicos. Ao invés disso, focalizei nas hordas de turistas chineses guiados por megafones esgoelantes que invadiram o palácio imperial naquele dia.
Facilmente identificáveis por seus bonés idênticos (sempre vermelhos ou amarelos) os grupos avançavam como cidade fosse desabar aquela noite (o que é, em parte, verdade, já que o governo está pondo abaixo e “restaurando” partes da Cidade Proibida para as Olimpíadas). Disputei a cotovelos meu lugar para ver as salas do trono; evitei cuspes e tossidas e prendi a respiração várias vezes, até que desisti e fui sentar-me debaixo de uma árvore, onde pude observar a manada de longe.
Assim entendi que o Japão, para possibilitar a convivência de tantas pessoas em espaço restrito, codificou a conduta social ao extremo. A China, ao contrário, retirou todo o bom senso dos seus cidadãos. Ninguém se incomoda, porque não aprenderam a serem incomodados.
Chegando a essa conclusão, me senti em paz com a minha curiosidade e passei a observar um senhor franzino e franzido que lentamente caminhava na minha direção. Tão dobrado que só conseguia olhar para o sapato gasto. Se preparou para sentar do meu lado, mas antes disso, me olhou nos olhos, cuspiu e arrotou orgulhoso o almoço do dia. Como um ogro de origami.