Uma chinesinha entra no ônibus acompanhada de sua babá filipina. Super católica, a babá mostra uma igreja para a menina, olha lá. A menina pergunta imediatamente, quase como um reflexo, mas o que é uma igreja? Resposta simples e automática da babá, é onde vamos dar graças à Deus. Mas porque temos que agradecer a Deus, replica a pequena. Por quê?
Boa pergunta. Com a celebração dos 30 anos da morte de Mao, eu estava lendo o meu jornal e pensando em uma questão semelhante. O que têm os chineses a agradecer ao Grande Líder? Por que, até hoje, tanta idolatria?
No artigo do Temps que publiquei ontem, o jornalista pergunta porque Hitler e Stalin são considerados o exemplo do mal encarnado, enquanto Mao continua tão popular. Como o Grande Timoneiro, apesar do massacre de milhões de pessoas (o artigo cita mais de 40 milhões - uma grande parte morta de fome), eles também deixaram uma relativa boa herança e estrutura à seus respectivos países.
Para entender melhor, o jornalista deveria ter ido mais atrás na história e perguntado porque outro "grande homem" ainda é tão popular em seu país, a França, apesar da sua excentricidade, mão-de-ferro e também massacre de vários de seus compatriotas. Napoleão, não foi responsável pela morte direta de milhares de franceses, é certo, se bem que...
Podemos, de todo modo, afirmar sem muito debate que, em termos percentuais uma parte equivalente à da China morreu de fome ou em guerras para sustentar o império napoleônico. Sem contar as inúmeras baixas do lado inimigo, estupros, esclavagismo e toda técnica existente de guerra e tortura. O resto da Europa da época, era inimiga. Napoleão usurpou o trono da França, utilizou os belos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade para criar a maior monarquia absolutista que a Europa conheceu desde os romanos. Sua tirania foi eternizada até pela pintura de Goya.
Apesar de todos estes fatores, Napoleão é visto na França como um herói nacional que revolucionou o país e reescreveu a História. Esse sentimento é próximo ao dos chineses, relevando, obviamente, que somente trinta anos separam o Grande Líder de seus seguidores. Trinta anos... e seu retrato ainda está na porta da Praça da Paz Celestial. Seu partido ainda está no poder, seu mausoléu ainda tem fila na porta (ver Traslado à Pequim). Assim como Napoleão, Mao foi um conquistador, reescreveu a história, deixou um legado imporatante para seu país e criou uma nova identidade chinesa.
A China capitalista não esqueceu sua origem agrária, mas também não a comemora com fanfarra. Cerimônias discretas celebram esse aniversário. O partido comunista chega a assumir que Mao errou 30% das vezes (oficialmente, não conheço a posição de Chirac sobre os erros de Napoleão). Não podemos, é claro, esquecer que boa parte dessa idolatria é resultado de um regionalismo e orgulho nacional exacerbado - afinal quantos alagoanos não votariam em Collor de novo? E olha que dessa vez não vou falar do Lula. Afinal, ele não pode ser considerado um "grande homem". Esperamos que a história o esqueça.
Esse era o contexto que queria dar para começar nossa viagem à Guilin, esse orgulho chinês, afinal, Shangri-la (o paraíso na terra) é lá do lado. Talvez seja pela existência desses paraísos na terra que devemos dar graças à Deus.
Saturday, September 09, 2006
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